domingo, 14 de fevereiro de 2016

Conto - Breve manual para o suicídio


Amanda entrou pela porta do quarto. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Chorara por quase uma hora, escondida no quintal. Somente depois que os pais saíram para fazer compras voltou para dentro de casa.
Ela bateu a porta do quarto com força, trancando-a por dentro. Sentou-se na cama e abriu seu diário de confissões. Estava disposta a escrever pela última vez. Na verdade, era uma carta de despedida para os pais e amigos íntimos. Uma, duas, três palavras... rasgou a página. Enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto e recomeçou. Agradeceu, desculpou-se, fez promessas que não poderia cumprir ou que fatalmente cumpriria por não estar mais viva para quebrá-las.

Abriu a porta do quarto e foi até a garagem. De dentro de uma caixa cheia de cacarecos pegou uma corda velha, que provavelmente jamais viesse a ter utilidade alguma, ou que talvez estivesse guardada especialmente para aquele momento. Olhou para o irmão mais novo, entretido em frente à televisão. Despediu-se dele com um olhar terno, até que retornou ao seu desespero.
Trancou-se novamente no seu quarto. Viu no criado-mudo, ao lado da cabeceira da cama, a foto dos dois. Ela e seu, agora, ex-tudo. Pareciam felizes. Parecia eterno. Agora lhe restara apenas um imenso sentimento de vazio. Faltavam-lhe perspectivas, sonhos, planos. Encheu-se de ira, tomando o porta-retrato nas mãos, disposta a quebrá-lo ao meio. Reconsiderou, e aninhou-o junto ao peito, até que em um rompante arremessou-o pela janela, vendo-o chocar-se contra o muro que cercava a casa.
"Maldito! Traidor! Cafajeste! Canalha..." e todos os demais adjetivos de que dispunha em seu vocabulário lhe vieram à mente para qualificar aquele que a destituíra da felicidade. Ele merecia ser punido. Merecia a morte!
Amanda ligou o computador. Fez uma rápida pesquisa na Internet. Ensaiou o laço algumas vezes no próprio pescoço. Subiu na cama, esticando-se para fazer passar a corda por entre os caibros e telhas. Deu alguns fortes puxões para testar a resistência dos caibros. Pendurou-se, para certificar-se de que nada falharia.
Suas mãos começaram a suar. Lembrou-se da televisão no quarto. Ligou-a e aumentou o volume. Fechou a janela. Subiu outra vez na cama, olhando para a TV. Fez o laço passar pela cabeça, encaixando-o no pescoço. Ficou na ponta do colchão, até que se lembrou de um filme a que assistira. Deu-se o luxo de ter um fim cinematográfico. Foi até a cozinha, pegou um banco e voltou para o ponto em que estava. "Agora sim", pensou. Fez um último pedido a Deus: que consolasse seus pais.
Amanda sentia seu coração acelerado, pulsando até quase saltar do peito. Cerrou as mãos suadas, tentando encontrar forças. Fechou os olhos e ficou parada, em silêncio, por alguns segundos. Uma mulher falava na TV sobre o fracasso de seu casamento, de como sofrera e superara os momentos de tristeza comendo chocolates e conhecendo alguém legal.
Amanda abriu os olhos, como se uma luz houvesse acendido em seu consciente. Lembrou-se de que havia uma caixa de bombons de chocolate na geladeira. Talvez funcionasse. Retirou o laço, encobriu as provas, comeu toda a caixa de chocolates e entrou em um bate-papo online para solteiros.

0 comentários:

Postar um comentário